RIO - Francisco Paumgartten, da Câmara Técnica de Medicamentos da Anvisa e da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, está preocupado com a possibilidade de o órgão liberar a sibutramina, contrariando o parecer dos técnicos. Ele diz que, do ponto de vista científico, não se justifica e lembra que a droga foi retirada em vários países porque traz mais danos do que benefícios. Houve aumento de 16% de risco de problemas cardiovasculares em usuários de sibutramina.
INFOGRÁFICO:
A liberação de inibidores de apetite é medida correta?
FRANCISCO PAUMGARTTEN: Os inibidores do apetite têm uma história trágica quanto à sua segurança. Os anfetamínicos, por exemplo, podem causar dependência e surtos psicóticos. O estudo de longa duração Scout (sigla de Sibutramine Cardiovascular Outcomes Trial), envolvendo 10.744 obesos de 16 países com doença cardiovascular, diabetes, ou ambas, mostrou que a sibutramina aumentou o risco de infarto e acidente vascular encefálico nesses pacientes. Apesar de os defensores da sibutramina afirmarem que o Scout apontou elevação de risco de problema cardiovascular numa população já vulnerável, inexistem estudos clínicos comparáveis ao Scout, em rigor metodológico e poder estatístico, que sustentem a afirmação de que a droga seria benéfica em obesos sem doença cardiovascular. O estudo revelou a ineficácia da sibutramina em prevenir ou atenuar as doenças relacionadas à obesidade. Por isso, foi proibida na Europa, nos Estados Unidos e em outros países. Os outros inibidores (femproporex, anfepramona e mazindol) são mais perigosos e não são vendidos na maioria dos países. O maior risco é a preparação dessas fórmulas em farmácias de manipulação.
Médicos dizem que inibidores facilitam a adesão ao tratamento com dieta e exercícios.
PAUMGARTTEN: Hoje, a única droga segura para emagrecer, mesmo assim como adjuvante de um programa de dieta e exercícios, é o orlistat, que reduz a absorção de gordura consumida; e, mesmo assim, causa desconforto intestinal, gases e diarreia. A sibutramina promove a discreta perda peso, mais acentuada no início. Causa, porém, pequeno aumento da pressão arterial. Assim, o benefício que se esperaria alcançar com a modesta perda de peso é anulado ou revertido pelo efeito no coração e na pressão. O indivíduo recupera totalmente o peso perdido quando interrompe o tratamento com a sibutramina. Reeducação alimentar e prática exercícios com orientação e apoio psicológico, se necessário, são as melhores alternativas.
A proposta da Anvisa é que o médico e o paciente assinem um termo de responsabilidade ao usar sibutramina.
PAUMGARTTEN: O termo assinado pelo paciente e pelo médico é inaceitável eticamente porque transfere ao paciente a responsabilidade pelas consequências da prescrição. Ele protege o médico - que tem mais informações -, e não o paciente, que confia e consome. O paralelo feito com o termo exigido para uso de talidomida (sedativo que foi usado contra enjoos em grávidas) e isotretinoína (contra acne) não é correto, porque esses dois medicamentos podem causar má formação do feto, e nesses ambos são responsáveis, médico e paciente.
Endocrinologistas são contra a proibição da sibutramina e eles têm o apoio do Conselho Federal de Medicina (CFM), em Brasília.
PAUMGARTTEN: Há um conflito de interesse por parte dos endocrinologistas que receitam a sibutramina e uma posição equivocada da direção do CFM. No caso de médicos que prescrevem a sibutramina, há o temor de que os pacientes desapareçam, se eles não dispuserem de inibidores de apetite, ainda que sejam ineficazes e perigosos. O CFM se posicionou sem ouvir os demais segmentos da classe médica, entre os quais os profissionais de saúde pública, e sem discutir a questão à luz daquilo que deveria defender, a medicina baseada em evidências.
Médicos dizem que sem os inibidores não terão opções?
PAUMGARTTEN: Drogas como a sibutramina, cuja eficácia e segurança são questionáveis, não são opções válidas. O próprio laboratório que fabricava o Reductil (à base da substância) retirou-o das drogarias. As farmácias de manipulação respondem por mais da metade da sibutramina vendida no nosso país. Em 2009, antes de a droga ser retirada nos EUA e na Europa, o Brasil era responsável por metade de seu consumo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário