NÃO
Muito se tem discutido acerca da legalização da maconha. Conforme argumentos dos favoráveis, ela implicaria o fim do tráfico e a redução da violência gerada por ela. Os programas policiais costumam colocar pessoas do seguinte perfil como traficantes: negros de 16 a 25 anos que "dominam" territórios, correm mais riscos, têm menos lucros e sofrem maiores penas. Mas isso pouco tem sido comentado num possível quadro de legalidade instalada. Quero aqui me dedicar a essa questão do ciclo e da legalização que pressupõem intervenção do Estado na distribuição.
Quando Celso Athayde e MV Bill gravavam o documentário "Falcões - Meninos e o Tráfico" constatei uma triste, complexa e contraditória realidade: a mesma droga que mata e sacrifica os jovens sustenta muitas famílias, que no caso da legalização não são lembradas nem têm uma porta de saída pensada para essa questão. A situação me remete ao jogo do bicho no Rio onde teoricamente acabaram com o jogo, mas os bicheiros continuam sendo donos das ligas de samba, restando aos pretos empurrar carros alegóricos.
A legalização proposta, onde o Estado tutelaria a distribuição e a venda é, por um lado, o argumento para que a classe média fume sua maconha sem drama e o varejão das favelas tenha expropriado o direito de vender, ou seja, essa economia gerada a partir do comércio ilícito da maconha.
Não quero cair na armadilha do maniqueísmo simplista de ser contra ou a favor. A maconha está aí e as políticas de repressão sucumbiram. Resta-nos resolver como tratar o problema, já que com outras drogas mais prejudiciais, como álcool e nicotina, as devidas providências já foram tomadas e apesar de os males trazidos por elas serem bem maiores ninguém pede sua criminalização.
A questão da droga não poder ser vista só pelo olhar da Polícia, da Justiça e da política de encarceramento que já se mostraram ineficazes, pois tanto consumo como a violência aumentaram. Educação, cultura e saúde precisam exercitar seu olhar de maneira integrada sobre o problema. É fato que ele existe. A questão é: como queremos, dentro de princípios constitucionais, regular o acesso?
O que não pode continuar é a Justiça julgando por classe e cor e nem os estigmas e estereótipos produzidos pelos programas policiais. Essa indefinição e a ilegalidade dificultam ainda mais o entendimento da questão, o que faz garantir a quase inexistência da presença de jovens de classe média nos relatórios das Varas de Infância e Juventude.
Enquanto a ilegalidade for usada para manter a situação como está não adiantará o Estado controlar a distribuição se não reparar os danos causados aos varejistas, essa não é a legalização que queremos!
Quando Celso Athayde e MV Bill gravavam o documentário "Falcões - Meninos e o Tráfico" constatei uma triste, complexa e contraditória realidade: a mesma droga que mata e sacrifica os jovens sustenta muitas famílias, que no caso da legalização não são lembradas nem têm uma porta de saída pensada para essa questão. A situação me remete ao jogo do bicho no Rio onde teoricamente acabaram com o jogo, mas os bicheiros continuam sendo donos das ligas de samba, restando aos pretos empurrar carros alegóricos.
A legalização proposta, onde o Estado tutelaria a distribuição e a venda é, por um lado, o argumento para que a classe média fume sua maconha sem drama e o varejão das favelas tenha expropriado o direito de vender, ou seja, essa economia gerada a partir do comércio ilícito da maconha.
Não quero cair na armadilha do maniqueísmo simplista de ser contra ou a favor. A maconha está aí e as políticas de repressão sucumbiram. Resta-nos resolver como tratar o problema, já que com outras drogas mais prejudiciais, como álcool e nicotina, as devidas providências já foram tomadas e apesar de os males trazidos por elas serem bem maiores ninguém pede sua criminalização.
A questão da droga não poder ser vista só pelo olhar da Polícia, da Justiça e da política de encarceramento que já se mostraram ineficazes, pois tanto consumo como a violência aumentaram. Educação, cultura e saúde precisam exercitar seu olhar de maneira integrada sobre o problema. É fato que ele existe. A questão é: como queremos, dentro de princípios constitucionais, regular o acesso?
O que não pode continuar é a Justiça julgando por classe e cor e nem os estigmas e estereótipos produzidos pelos programas policiais. Essa indefinição e a ilegalidade dificultam ainda mais o entendimento da questão, o que faz garantir a quase inexistência da presença de jovens de classe média nos relatórios das Varas de Infância e Juventude.
Enquanto a ilegalidade for usada para manter a situação como está não adiantará o Estado controlar a distribuição se não reparar os danos causados aos varejistas, essa não é a legalização que queremos!
SIM
A temática das drogas vem ganhando relevância no debate público, entretanto ainda são percebidos grande desconhecimento sobre o seu uso, hipocrisia e divergências sobre a possível legalização ou descriminalização, já que foi construído no senso comum da população que as drogas fazem mal à saúde e são responsáveis pelo aumento da criminalidade.
Essas construções não são totalmente equivocadas, porém a forma como são disseminadas só reforça um conservadorismo que em nada ajuda a resolver a problemática. O uso de substâncias entorpecentes como forma de obter prazer ou até mesmo como parte de cultos ocorreu em diferentes momentos da humanidade, como o uso do chá da folha de coca pelos nativos da Bolívia e do Peru. Refiro-me às drogas lícitas (álcool, tabaco, fármacos) e ilícitas (maconha, crack).
As drogas fazem mal à saúde? De pronto respondo que sim. O café, uma droga aceita culturalmente, também faz! Trabalhar demais, comer demais, dormir de menos também faz mal. O uso de drogas passa a ser problemático quando o usuário, devido ao consumo excessivo, deixa de fazer atividades cotidianas e passa a ter como única ação o uso de drogas, denegrindo ao extremo sua saúde e sua sociabilidade. O uso da maconha, por exemplo, dependendo da intensidade, pode ser menos prejudicial do que o álcool ou mesmo o cigarro legalizado.
As drogas aumentam a violência? O consumo depende! Nem todas têm o mesmo efeito. É preciso estudá-las em separado e ver quais os seus impactos de forma mais científica e menos dogmática. O tráfico de drogas, com certeza! Estudos como de Alba Zaluar no Rio de Janeiro colocam o tráfico como um dos comércios mais rentáveis no mundo e que o fato de funcionar na ilegalidade o deixa ainda mais lucrativo, pois não paga imposto, desrespeita leis trabalhistas, viola direitos humanos e usa como mão de obra barata o trabalho de crianças e adolescentes.
Debater a legalização das drogas no Brasil e construir uma regulamentação que desmonte a organização do tráfico seria muito mais eficaz para enfrentar a violência do que as políticas de repressão que vêm sendo utilizadas em diversos países e que não coibiram o tráfico nem o uso de drogas.
Devemos debater inicialmente a legalização da maconha com uma regulação que não discrimine os usuários e que os afaste do contato direto com o traficante. A partir dessa experiência, podemos avaliar e pensar como faremos com as outras drogas. Paralelamente devemos lutar pela implementação da Política Nacional sobre Drogas, que dividida em quatro eixos (prevenção, redução da oferta, redução de danos e tratamento) já aponta caminhos interessantes neste diálogo.
Essas construções não são totalmente equivocadas, porém a forma como são disseminadas só reforça um conservadorismo que em nada ajuda a resolver a problemática. O uso de substâncias entorpecentes como forma de obter prazer ou até mesmo como parte de cultos ocorreu em diferentes momentos da humanidade, como o uso do chá da folha de coca pelos nativos da Bolívia e do Peru. Refiro-me às drogas lícitas (álcool, tabaco, fármacos) e ilícitas (maconha, crack).
As drogas fazem mal à saúde? De pronto respondo que sim. O café, uma droga aceita culturalmente, também faz! Trabalhar demais, comer demais, dormir de menos também faz mal. O uso de drogas passa a ser problemático quando o usuário, devido ao consumo excessivo, deixa de fazer atividades cotidianas e passa a ter como única ação o uso de drogas, denegrindo ao extremo sua saúde e sua sociabilidade. O uso da maconha, por exemplo, dependendo da intensidade, pode ser menos prejudicial do que o álcool ou mesmo o cigarro legalizado.
As drogas aumentam a violência? O consumo depende! Nem todas têm o mesmo efeito. É preciso estudá-las em separado e ver quais os seus impactos de forma mais científica e menos dogmática. O tráfico de drogas, com certeza! Estudos como de Alba Zaluar no Rio de Janeiro colocam o tráfico como um dos comércios mais rentáveis no mundo e que o fato de funcionar na ilegalidade o deixa ainda mais lucrativo, pois não paga imposto, desrespeita leis trabalhistas, viola direitos humanos e usa como mão de obra barata o trabalho de crianças e adolescentes.
Debater a legalização das drogas no Brasil e construir uma regulamentação que desmonte a organização do tráfico seria muito mais eficaz para enfrentar a violência do que as políticas de repressão que vêm sendo utilizadas em diversos países e que não coibiram o tráfico nem o uso de drogas.
Devemos debater inicialmente a legalização da maconha com uma regulação que não discrimine os usuários e que os afaste do contato direto com o traficante. A partir dessa experiência, podemos avaliar e pensar como faremos com as outras drogas. Paralelamente devemos lutar pela implementação da Política Nacional sobre Drogas, que dividida em quatro eixos (prevenção, redução da oferta, redução de danos e tratamento) já aponta caminhos interessantes neste diálogo.
EM TERMOS
O uso de substâncias psicoativas é um fenômeno universal que ultrapassa as categorizações de saúde e normalidade. Mas o uso abusivo tornou-se um desafio que não temos conseguido responder. Neste debate temos a maconha como um divisor de águas: de um lado muitos a avaliam, erroneamente, como inofensiva, e, de outro, também erroneamente, como substância demoníaca, já tendo sido considerada "mais perigosa que o próprio ópio".
A planta Cannabis sativa (cânhamo, maconha) entrou no nosso País a partir de 1500 trazida pelos africanos e estavam também nas velas e nos cordames das embarcações. Historiadores registram que o cânhamo esteve presente em grande parte da indústria. Vários medicamentos continham Cannabis e quase toda produção de papel utilizava a fibra do cânhamo como matéria-prima.
Nas primeiras décadas do século XX o emprego medicinal da maconha foi desaparecendo, substituído por drogas sintéticas tidas como mais eficazes e seguras. Neste período é iniciada a lei seca norte-americana (1920-1933), considerada depois um fracasso legislativo que aumentou a corrupção e a criminalidade, enriquecendo as máfias. A proibição do álcool pode ter sido o estopim para o boom da maconha nos EUA.
A compreensão que a (i)legalidade de qualquer droga é uma construção sócio-histórica envolvendo posições econômicas e políticas transforma a pergunta posta acima em uma questão de delicadas reflexões.
Conversar sobre maconha ainda pode ser confundido como tentativa de apologia à droga. Mas não podemos camuflar o debate. Associações têm explicado a evasão escolar, a fuga de casa, a violência social, a iniciação sexual precoce e vários outros comportamentos indesejáveis como produtos do uso abusivo da maconha ou de outras drogas.
Porém, um olhar mais qualificado pode apontar esse uso como consequência e não causa. Os indicadores do que precisa de atenção e tratamento podem ser encontrados no sistema educacional, nas relações sociais instrumentalizadas e competitivas, nas possibilidades fictícias de inserção, no desemprego e no esvaziamento de sentido mesmo naqueles que estão empregados.
A dependência química é um conjunto de dificuldades de ordem afetiva e social que se manifesta no encontro de uma substância tóxica e um indivíduo, vivendo num momento de inserção sociocultural. Legalizar a maconha poderia proteger usuários da violência do tráfico, mas os traficantes ofereceriam outros produtos. Como podemos combater o uso de drogas sem combater a sociedade de consumo? Ela nos transforma em usuários tão abusivos que corremos o risco de extinção junto com nosso planeta.
A planta Cannabis sativa (cânhamo, maconha) entrou no nosso País a partir de 1500 trazida pelos africanos e estavam também nas velas e nos cordames das embarcações. Historiadores registram que o cânhamo esteve presente em grande parte da indústria. Vários medicamentos continham Cannabis e quase toda produção de papel utilizava a fibra do cânhamo como matéria-prima.
Nas primeiras décadas do século XX o emprego medicinal da maconha foi desaparecendo, substituído por drogas sintéticas tidas como mais eficazes e seguras. Neste período é iniciada a lei seca norte-americana (1920-1933), considerada depois um fracasso legislativo que aumentou a corrupção e a criminalidade, enriquecendo as máfias. A proibição do álcool pode ter sido o estopim para o boom da maconha nos EUA.
A compreensão que a (i)legalidade de qualquer droga é uma construção sócio-histórica envolvendo posições econômicas e políticas transforma a pergunta posta acima em uma questão de delicadas reflexões.
Conversar sobre maconha ainda pode ser confundido como tentativa de apologia à droga. Mas não podemos camuflar o debate. Associações têm explicado a evasão escolar, a fuga de casa, a violência social, a iniciação sexual precoce e vários outros comportamentos indesejáveis como produtos do uso abusivo da maconha ou de outras drogas.
Porém, um olhar mais qualificado pode apontar esse uso como consequência e não causa. Os indicadores do que precisa de atenção e tratamento podem ser encontrados no sistema educacional, nas relações sociais instrumentalizadas e competitivas, nas possibilidades fictícias de inserção, no desemprego e no esvaziamento de sentido mesmo naqueles que estão empregados.
A dependência química é um conjunto de dificuldades de ordem afetiva e social que se manifesta no encontro de uma substância tóxica e um indivíduo, vivendo num momento de inserção sociocultural. Legalizar a maconha poderia proteger usuários da violência do tráfico, mas os traficantes ofereceriam outros produtos. Como podemos combater o uso de drogas sem combater a sociedade de consumo? Ela nos transforma em usuários tão abusivos que corremos o risco de extinção junto com nosso planeta.
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ANGELA ALCANTARA - JORNALISTA