Conta-se que, em 1816, na ilha de Santa Helena, ao ouvir do lorde Amherst que a segunda tentativa da Inglaterra em estabelecer relações diplomáticas com o governo imperial da China havia fracassado, Napoleão profetizou: “Deixem a China dormir, porque, quando ela acordar, o mundo inteiro tremerá!”
Ocorre que, no fim dos anos 1960, com a derrota no Vietnã, o prestígio dos Estados Unidos achava-se abalado. Urgia uma virada na política externa, como a reaproximação com a China para conter a União Soviética, aliás, um interesse comum. Mas precisava, ao mesmo tempo, prevenir-se contra a própria China, uma superpotência em gestação. Daí, “a contenção por engajamento”: integrar o Dragão ao sistema e às regras internacionais. Ora, isso coincidia com o objetivo chinês de reinserção externa e desenvolvimento interno. Após dobrarem fortes resistências internas, os dois países firmaram o pacto.
Em maio deste ano, participei no Rio de Janeiro, de seminário promovido pela Embaixada dos EUA. Nele, dois professores norte-americanos, G. John Ikenberry, da Universidade de Princeton, e Bruce M. Bagley, da Universidade de Miami, trazem a mensagem: o embate China x EUA já é bem visível, com tendência a se acirrar cada vez mais. Dadas as afinidades históricas, políticas e culturais, o natural é que o Brasil fique do lado do Tio Sam, ainda que não seja mais como antes, num alinhamento automático.
Também em maio, o presidente Barack Obama, no Parlamento inglês, afirma que China, Índia e Brasil não ameaçam a influência dos EUA e da Europa no mundo. Embora se dirija aos Bric’s, a China é o alvo principal. Em junho, a secretária de Estado Hillary Clinton ameaça: “Não queremos assistir a uma nova colonização na África”. Depois, proclama: “Há mais lições a aprender com os Estados Unidos e as democracias”.
Ora, já em 2005, quando a China National Offshore Oil Corporation (CNOOC), empresa petrolífera chinesa, quis adquirir a similar norte-americana Unocal, Paul Krugman alertava que o desafio chinês era bem mais grave do que foi o japonês no final dos anos 1980, principalmente porque “a China (...) parece mesmo estar surgindo como rival estratégico dos EUA e concorrente no acesso a recursos escassos”. Hoje não há mais dúvida. Segundo o FMI, em 2016, a economia chinesa será maior que a norte-americana.
Diante disso, o Pentágono e seus estrategistas arquitetam planos de contenção do “perigo amarelo”, muito embora, refém de uma grave crise interna, os EUA sejam obrigados a se voltar para dentro. Assim, já agora, ao anunciar a retirada de tropas norte-americanas do Afeganistão, Obama declara: “Estradas em Kentucky, em vez de Cabul”. Um “New Deal” novamente?
“Como será o amanhã? Responda quem puder”. Sabe-se apenas que um mundo novo se mexe no ventre da história. E que Napoleão tinha razão. Só deixou de prever um detalhe crucial: antes que a despertassem, a China já estava de olhos bem abertos para o mundo.