Na política, é do jogo certo grau de dissimulação. Governantes que sabem usar essa arma costumam ter mais êxito em suas articulações. Numa sociedade que exige cada vez mais transparência dos políticos, cabe ao jornalismo tentar desnudar intenções ocultas na sua eterna missão de buscar oferecer a melhor versão da verdade.
Então, vamos lá:
O Banco Central reduziu os juros por ordem da presidente Dilma Rousseff. O BC de Dilma não tem a mesma autonomia dos tempos do governo Lula.
Foi isso o que aconteceu na quarta 31 de agosto. Politicamente, Dilma está certa ao dizer que a decisão foi puramente técnica. Mas isso não existe no mundo real. Faz parte da dissimulação permitida no jogo político. Mas só se engana quem quer.
As escolhas técnicas do BC no governo Lula foram políticas. E assim tem sido na gestão Dilma. Foi uma boa notícia a decisão do BC de cortar a taxa básica de juros, a Selic, em 0,5 ponto percentual. A selic caiu de 12,5% para 12% ao ano.
O mercado se surpreendeu porque acreditou na fábula do BC técnico. Dilma e sua equipe econômica deram todos os sinais de que haveria mudança na política econômica. Mas o mercado preferiu apostar na sua camaradagem com o BC a enxergar o que estava por vir.
Desde o governo Lula, há uma crítica recorrente à política econômica: uma queda dos juros para patamar civilizado demanda maior equilíbrio fiscal. Ou seja, uma cobrança acertada sobre coordenar as políticas monetária e fiscal, sem deixar toda a tarefa do combate à inflação a cargo do BC.
Se o pessoal do mercado tivesse falado menos com a equipe econômica e trocado ideias com ministros de outras áreas nas últimas semanas, teria ouvido o seguinte: a Polícia Federal se diz paralisada pelo corte de verbas, o Judiciário está em clima de rebelião por reajuste salarial, deputados e senadores não conseguem liberar suas emendas parlamentares, a pasta do Transporte está tocando obras em ritmo de tartaruga etc. etc.
Na prática, Dilma está freando o bonde do aumento de despesas públicas. Pode não ser no grau desejado pelos defensores de cortes de gastos. Esse bonde pegou embalo na crise de 2008-2009 e continuou acelerado no ano eleitoral de 2010.
É inegável que acontece um freio de arrumação no ritmo de expansão de gastos. Isso não é feito sem dor. Significa menos investimentos públicos, o que resulta em menos escolas, menos merenda, menos hospitais, menos pontes, menos estradas, menos concursos públicos. Esse freio desagrada a muita gente com poder de pressão em Brasília.
Dilma busca reduzir os juros para estimular os investimentos privados. Quer criar o clima para, nas palavras do economista Delfim Netto, liberar o espírito animal dos empresários. Fazê-los investir no lugar do Estado. É uma estratégia correta.
Por último, convém repetir uma obviedade. O maior controle externo sobre o poder é o dos votos. A presidente recebeu mandato para dar ordem ao BC para reduzir os juros, se julgar o caminho correto. Ela arcará com as consequências de suas decisões. Nesse sentido, faria muito bem tomar entregar mesmo um ajuste fiscal robusto, ciente de que terá custo social e político.
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Corporativismo escandaloso
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Cezar Peluso, deveria se envergonhar de liderar uma revolta contra o Palácio do Planalto por reajuste salarial. Os servidores do Judiciário estão no topo da folha de salários da União.
É aquela história: o discurso em defesa do país termina quando preciso defender meus interesses corporativos. Se depender de Peluso, o teto do funcionalismo público vai a R$ 30,6 mil, com reajustes de até 56%.