A Anistia Internacional caracterizou como "tortura" os abusos sofridos por milhares de crianças na Irlanda, em relatório divulgado nesta segunda-feira.
O texto, assinado pelo diretor-executivo da organização, Colm O'Gorman, tenta explicar por que tantos menores sofreram um tratamento "degradante" e "desumano" durante décadas no país.
"As crianças foram torturadas. Foram tratadas brutalmente: espancadas, esfomeadas e abusadas. Houve pouca justiça para essas vítimas", disse o dirigente.
Nos últimos anos, investigações judiciais detalharam casos de abusos sexuais, físicos e psicológicos, desnutrição e espancamentos cometidos por funcionários de instituições administradas pelo Estado irlandês e pela Igreja Católica.
O'Gorman, também vítima de abusos sexuais, observa que essas investigações relataram o que aconteceu com os menores, mas não o porquê.
"Estes abusos ocorreram não porque não sabíamos deles, mas porque muita gente em nossa sociedade preferiu ignorá-los. Não que todo mundo soubesse, mas muita gente em posições de poder optou por não agir", disse o diretor-executivo da AI.
RESPONSABILIDADES
O documento de investigação da Anistia "À Vista" ("In Plain Sight"), lançado por iniciativa da ministra da Infância, Frances Fitzgerald, foi acompanhado por uma pesquisa que mostrou que a maioria do povo irlandês considera que a sociedade tem sua parte de responsabilidade no ocorrido.
A pesquisa revela que 85% da população considera que os membros individuais da sociedade poderiam ter feito algo para proteger estas crianças.
"O abuso de milhares de crianças irlandesas é, talvez, a maior tragédia humanitária na história do país. Muitos dos abusos descritos respondem à definição de tortura na legislação internacional sobre direitos humanos", afirma O'Gorman.
"Aqueles que não cumpriram com suas obrigações como tutores, criados, clérigos, policiais e membros de ordens religiosas reconheceram sua responsabilidade", acrescentou.
RELATÓRIOS
Em 2005, o "Relatório Ferns" revelou que na pequena diocese de Ferns, no sudeste da Irlanda, foram registrados mais de 100 casos de abusos sexuais cometidos entre 1962 e 2002 por padres católicos.
Quatro anos depois, o "Relatório Ryan" denunciava que milhares de menores haviam sido torturados em instituições estatais dirigidas por religiosos na Irlanda entre 1940 e 1990.
Naquele mesmo ano, o "Relatório Murphy" concluiu que na arquidiocese de Dublin, a maior do país, as autoridades católicas ocultaram o abuso de crianças cometidos por padres entre 1975 e 2004.
Em julho de 2011, o "Relatório Cloyne" estabeleceu que as autoridades eclesiásticas nesta diocese irlandesa ignoraram as denúncias sobre abusos sexuais cometidos contra menores por 19 clérigos.
Após sua publicação, o premiê irlandês, Enda Kenny, chegou a acusar o Vaticano de participar dessas manobras de ocultação e qualificou sua atitude como "vergonhosa".
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