A disputa para conseguir o voto da maioria dos 82 milhões de egípcios começou e no Ramadã, meses antes das eleições, os partidos políticos apelam para a caridade para conquistar o apoio dos mais humildes pelo estômago.
O fim do regime de Hosni Mubarak deixou um vazio no Cairo onde no mês de jejum do Ramadã as classes mais pobres usufruem de verdadeiros banquetes financiados pelos principais políticos que correm atrás do voto popular.
Atualmente, vários destes magnatas estão detidos prestes a serem julgados por apropriação indébita de fundos e com isso o número de mesas da caridade, como é conhecida esta prática que data os tempos do profeta Maomé, se viu sensivelmente reduzido.
As dezenas de partidos e organizações que querem ganhar espaço no recém estreado panorama político egípcio tomaram o bastão daqueles milionários, embora, segundo dizem, optaram pelos princípios de caridade e humildade que prega o islã, frente à ostentação da era de Mubarak.
"O antigo regime gostava de promover as mesas de caridade, mas nós preferimos fazer isso discretamente, pois sabemos que Deus vai nos compensar no final", disse à Agência Efe o diretor da organização Beit el Aila (Casa da Família), Mohammed Osman.
Esta entidade, que conta com o apoio dos Irmãos Muçulmanos, compartilhou fora de casa 50.000 refeições em 2010 e espera multiplicar esta quantidade por cinco durante este Ramadã.
A formação política deste grupo islamita, o Partido da Liberdade e da Justiça, é uma das grandes favoritas para os pleitos legislativos previstos para novembro.
Osman informou que sua organização entrega as porções de "porta em porta para evitar a humilhação pública das pessoas que se vêem obrigadas a comer nas mesas da caridade".
Por outro lado, o secular Partido dos Egípcios Livres, liderado pelo magnata cristão Najib Sawiris, preferiu centralizar suas atividades em uma grande barraca e incluir concertos, conferências sobre religião e outras atividades culturais.
Alheios à luta pelo poder político, no coração do bairro de Giza, as pequenas contribuições de muitos moradores tornam possível que a cada dia na hora do "iftar", a comida que quebra o jejum no Ramadã, os voluntários distribuam 150 porções diárias entre pessoas que vem de bairros populares próximos.
É um dos raros momentos em que as ruas, que são sempre frenéticas no Cairo, ficam tranquilas, já que só voluntários dedicados transitam para entregar as porções de arroz com carne de bezerro, "tahini" (molho de gergelim), doces e "Karkadan", o tradicional suco de flor de hibisco.
Um dos organizadores, o estudante universitário Ali Shankafoli, relatou o orgulho que ele e seus amigos sentem de ter impulsionado o projeto.
"Estamos muito contentes porque percebemos uma necessidade no bairro, encontramos uma forma de atendê-la e agora o povo vem a nós diariamente com um sorriso nos lábios", afirmou enquanto contemplava a afluência dos voluntários, que distribuíam a comida nas mesas.
No primeiro Ramadã após a Revolução do 25 de Janeiro, os organizadores das mesas tradicionais vêem com bons olhos os esforços dos partidos políticos para se promoverem.
Na época de Mubarak, "o Governo costumava divulgar notícias que criticavam outros partidos para abrir uma gap entre os egípcios e os líderes políticos", lembrou Shankafoli.
Este jovem, que participou ativamente das mobilizações populares que derrubaram o regime de Mubarak, acrescentou que "agora a maioria das pessoas odeia os partidos políticos mesmo sem saber nada sobre eles" e acredita que "estes grupos estão tentando diminuir a distância entre os egípcios por meio deste tipo de iniciativa".
Se a revolução trouxe ao Egito novas formas de praticar a caridade e viver o Ramadã, muitos ainda preferem frequentar os lugares que já conhecem.
Sentada em um cantinho afastado e cercada por seus três filhos, Amal Mohamed, disse que prefere ir à mesa de Giza do que receber à domicílio, pois após tanto tempo"as crianças já fizeram amigos". "Aqui o povo é bom", afirma.
A cumplicidade se faz evidente no final do "iftar" quando os menores param de brincar para alvoroçar entre as mesas e ajudar a recolher os restos de comida.
O estudante Samah Wegih, cristão e voluntário desta mesa, relatou que o ambiente de camaradagem no bairro está acima de tudo: "Eu anseio mais pela chegada do Ramadã que os muçulmanos, pois nesta época do ano o Egito fica imerso em um ambiente de unidade muito bonito".
Seu amigo, o engenheiro Amre Ahmed, se mostrou satisfeito porque nem a mesa nem sua gente sofreram mudanças após a revolução e afirmou que "o Ramadã faz parte do espírito dos egípcios, aqui nada mudará embora a revolução continue em andamento".
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