Rebeldes planejaram revolta dentro de Trípoli, com contrabando de armamentos e mobilização da população com protestos pós-orações
Foto: AP
Opositores líbios comemoram colocação de bandeira rebelde no distrito de Abu Salim, em Trípoli
Entre os líderes rebeldes foi chamada de zero hora o momento em que os moradores de Trípoli se levantariam contra as forças de Muamar Kadafi, depois de uma guerra de seis meses no deserto que não conseguiu acabar com a permanência de 42 anos no poder do líder.
Mas o levante não se materializou, em parte porque uma sangrenta repressão das forças de Kadafi contra manifestantes em fevereiro servia de impedimento às pessoas dentro de Trípoli que pudessem pensar em tentar desafiar a autoridade do governo.
Assim, os líderes rebeldes começaram a planejar sua revolta dentro da própria capital. Ao longo das últimas semanas, eles contrabandearam armas para Trípoli e as esconderam em casas seguras. Eles espalharam a notícia entre os revolucionários locais de que protestos generalizados começariam após as orações noturnas do Ramadã no dia marcado.
Eles escolheram 20 de agosto, data que também marca o aniversário da libertação de Meca pelo profeta Maomé. No fim, foi a revolta de sábado em Trípoli - combinada com um avanço dos rebeldes militares para a capital em três frentes - que oprimiu os soldados sitiados de Kadafi, embora o conflito continue na capital.
Mesmo com a rebelião esfarrapada da Líbia ainda assolada por divisões internas, entrevistas com líderes rebeldes, diplomatas e funcionários da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em Washington revelam que as forças rebeldes foram capazes de elaborar um plano cuidadoso para o ataque final a Trípoli que se desdobrou com uma rapidez que poucos tinham previsto.
Eles foram ajudados pelo fornecimento constante de armas, medicamentos, combustível e alimentos por tropas britânicas, francesas e do Catar e uma campanha de bombardeios aéreos da Otan. Centenas de rebeldes participaram de treinamentos militares secretos dentro do Catar.
Forças rebeldes também avançaram sobre a capital líbia de barco, em uma flotilha que partiu de Misrata em uma operação que os rebeldes chamaram de Sereia da Aurora.
Com o regime em colapso, autoridades americanas disseram que os assessores mais próximos a Kadafi ligaram às pressas para vários oficiais do governo Obama, incluindo o embaixador dos Estados Unidos Gene Cretz e o secretário de Estado adjunto Jeffrey Feltman para tentar mediar uma trégua. No entanto, os líbios nunca prometeram que Kadafi cederia o poder, segundo os oficiais americanos, e as ligações não foram levadas a sério.
Ponto de virada
Autoridades dos Estados Unidos disseram que, mesmo que a luta no leste da Líbia esteja em um impasse, os guerrilheiros que operam nas acidentadas Montanhas Nafusah no oeste ganharam terreno contra as forças de Kadafi ao cortar o fornecimento à capital.
Os rebeldes que operam no oeste fizeram progressos em relação ao mês passado, seguindo para o norte, em direção à costa do Mediterrâneo, e apreendendo uma refinaria de petróleo em expansão no Zawiya, apenas 50 quilômetros a oeste de Trípoli. Ao longo do caminho, de acordo com um oficial sênior da Otan, os rebeldes lutaram contra mercenários do Chade e de outros países africanos que Kadafi alistou para reforçar suas sobrecarregadas Forças Armadas.
Várias autoridades americanas disseram que a queda de Zawiya pode ter sido o ponto de virada da campanha, uma vez que sufocou quase todo o fornecimento de combustível para o governo em Trípoli. "Isso sinalizou que o fim pode estar próximo", disse um oficial da defesa na segunda-feira.
Os rebeldes foram reabastecidos com armas das forças especiais do Catar e fotografias feitas com satélites dos militares britânicos e franceses. Para elevar a moral, os Estados Unidos divulgaram trechos de conversas telefônicas interceptadas em que os comandantes do Exército da Líbia reclamavam da escassez desesperada de alimentos, água e munições.
Fortalecimento
A ofensiva dos rebeldes fortaleceu a oposição em outras partes do país. Autoridades dos EUA e da Otan descreveram um ataque cuidadosamente coordenado contra Trípoli, que buscava levar os combatentes leais a Kadafi para as estradas onde os aviões da Otan poderiam bombardeá-los.
Esses ataques, concentrados a oeste de Trípoli, foram coordenados com o levante de sábado na própria capital. "Tudo aconteceu junto e com mais rapidez do que muitos esperavam, mas não era exatamente uma coincidência", disse o diplomata.
Grupos rebeldes romperam as linhas de defesa estabelecidas há muito tempo e se aproximaram de Trípoli pelo sul e leste. Isso forçou as tropas do governo líbio a atuar em campo aberto, permitindo que aviões de guerra aliados realizassem ataques consecutivos, disse um oficial sênior da Otan na segunda-feira.
O ataque rebelde à capital líbia inspirou alguns moradores da capital a realizar o levante planejado, de acordo com entrevistas com alguns líderes rebeldes na segunda-feira. No fim de semana, os moradores "chegaram à decisão de agir", disse Yusuf Muhammed, que aconselha uma brigada de elite rebelde formada por lutadores de Trípoli.
Havia outra razão para os protestos, de acordo com vários líderes rebeldes. Os rebeldes esperavam que as tropas do governo líbio tentassem derrotar o levante usando armas de grande calibre como mísseis antiaéreos - tornando mais fácil para aviões de guerra da Otan localizar os esconderijos das tropas de Kadafi.
Certamente, quando os protestos começaram na noite de sábado, as tropas de Kadafi estavam esperando diante das mesquitas e começaram a disparar contra os manifestantes, de acordo com vários moradores que disseram ter testemunhado a violência.
Na manhã de domingo, cerca de 600 combatentes rebeldes de Trípoli foram enviados para reforçar o grupo avançando sobre a capital pelo oeste, de acordo com líderes rebeldes. Cerca de 100 membros da unidade receberam treinamento especializado no Catar, de acordo com Muhammed.
Mas o avanço dos rebeldes em Trípoli foi quase frustrado na manhã de domingo, quando uma coluna das forças do governo líbio tentou flanquear os rebeldes e retomar Zawiya. Enquanto as tropas de Kadafi abordavam Zawiya, no entanto, aviões de guerra da Otan bombardeavam o comboio antes ele que pudesse chegar à cidade estratégica.
Isso foi parte de um intenso bombardeio aéreo da Otan que continuou durante todo o dia no domingo. Aviões da Otan realizaram cerca de 50 missões de ataque em um dia. Entre os mais sensíveis estavam os ataques a bunkers que o governo criou em edifícios civis em Trípoli, em um esforço para afastar ataques aliados.
Foto: NYT
Fumaça toma céu de Trípoli depois de intensos combates entre rebeldes e forças de leais a Kadafi
Com a vigilância constante dos aviões Predator para monitorar o "padrão de vida" nos edifícios por dias ou semanas, os aviões de guerra aliados atacaram as estruturas apenas depois de determinarem que os militares estavam usando os prédios, disseram oficiais da Otan.
Um dos alvos da Otan era uma base usada pela temida Brigada 32, uma unidade de ataque urbano comandada por Khamis, um dos filhos de Kadafi. Líderes rebeldes esperavam que a brigada de Khamis formaria um "anel de aço" em torno de Trípoli – a última defesa do regime de Kadafi.
Mas os combatentes rebeldes disseram que quando chegou o fim de semana, apenas cerca de 50 soldados defendiam a base. Isso fez com que os líderes rebeldes se perguntassem se o temido grupo de apoiadores de Kadafi havia sido derrotado ou se tinha simplesmente dispersado para retomar a luta em outro dia.
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