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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Retirada abrupta pode por em risco progressos no Afeganistão, diz ativista

Durante o período em que o Talebã comandou o Afeganistão (1996 a 2001), Orzala Ashraf Nemat arriscava a vida diariamente ao liderar, no país, uma rede clandestina para alfabetização de mulheres - que eram proibidas pelo regime de frequentar a escola.

Hoje, dez anos após a intervenção militar liderada pelos Estados Unidos que tirou o Talebã do poder, as afegãs puderam retornar às escolas e Nemat se tornou uma figura pública, reconhecida por seu ativismo.

Ela teme, porém, que uma retirada abrupta das forças internacionais possa reverter esses e outros avanços e colocar em risco o progresso conquistado pelo Afeganistão ao longo de uma década.

"A retirada militar não pode significar uma retirada dos recursos para ajudar o Afeganistão", disse Nemat à BBC Brasil, em entrevista por telefone a partir de Cabul.

"Manter a assistência humanitária, o financiamento a projetos de desenvolvimento em diferentes áreas sociais e econômicas será crucial para o Afeganistão, se não quisermos que o país volte a cair nas mãos do terrorismo", afirma.

Intervenção
Foi exatamente a guerra ao terrorismo, lançada pelo então presidente americano George W. Bush após os atentados de 11 de Setembro, em 2001, que levou os Estados Unidos a liderarem a invasão do Afeganistão em 7 de outubro daquele ano.

Os Estados Unidos queriam encontrar Osama Bin Laden, líder da rede Al-Qaeda, que supostamente recebia apoio do Talebã.

Dez anos depois, Bin Laden foi morto (em maio deste ano, em uma operação de forças americanas no Paquistão), o Talebã se enfraqueceu e os Estados Unidos - que precisam lidar com os resquícios de outra guerra impopular, a do Iraque, e uma crise econômica em casa -, já começaram a retirar as tropas do Afeganistão, com o objetivo de transferir as ações de segurança para as forças afegãs até 2014.

Segundo Nemat, é crucial que a comunidade internacional ajude o país a consolidar a independência e a soberania conquistadas na última década e garanta que o país não será "abandonado" após a retirada.

A preocupação da ativista está em linha com um relatório publicado em junho pela Comissão de Relações Exteriores do Senado americano, que alertava para o risco de que uma retirada brusca mergulhasse o país em uma recessão.

Na época, o relatório do Senado pedia maior eficácia na fiscalização sobre como são utilizados os cerca de US$ 320 milhões (cerca de R$ 578 milhões) injetados no Afeganistão a cada mês pelo Departamento de Estado e pela agência americana de desenvolvimento internacional (USAID).

Comparação
Ao comparar a situação do Afeganistão hoje com a de dez anos atrás, Nemat reconhece avanços em inúmeras áreas como saúde, educação e a própria imagem como nação.

"Durante os anos do Talebã, o Afeganistão era completamente isolado, nem mesmo era reconhecido como país por muitas outras nações. Hoje tem assento nas Nações Unidas, tornou-se um país reconhecido, ganhou de volta sua identidade política, social e cultural", afirma.

No entanto, a ativista observa que o país, mergulhado em conflitos desde a invasão soviética de 1979, ainda enfrenta enormes desafios.

"É muito importante compreender que a guerra não começou quando o Talebã chegou ao Afeganistão. O Afeganistão está em guerra por mais de três décadas. E, infelizmente, a guerra ainda não acabou."
Segundo Nemat, em 2001, diante das dificuldades que o Afeganistão enfrentava, muitos não se opuseram à chegada das tropas estrangeiras, ao contrário do que ocorreu em intervenções anteriores no país.

"Quando a intervenção começou, não foi na forma de ocupação, não havia indicação de que os militares ficariam para sempre. A ideia era de que eles viriam para cumprir um objetivo de curto prazo e, após cumprida essa missão, deveriam deixar o país", afirma.

No entanto, uma década depois, Nemat diz que muitos afegãos estão cansados, sentimento agravado pelas mortes de civis, erros de inteligência e apoio da comunidade internacional a quem ela define como "figuras corruptas".

"Tudo isso indica que o Afeganistão precisa começar a andar com as próprias pernas", afirma. "O Afeganistão é finalmente um Estado soberano, tem seu próprio povo, e esse povo deve começar a defender o país."
Segurança
A ativista reconhece que a tarefa é difícil e que há questionamentos sobre aspectos como a capacidade das forças de segurança afegãs de assumir a responsabilidade uma vez que as tropas internacionais deixem o país por completo.

Observa também que, mesmo com a presença internacional, o país enfrenta problemas de segurança, entre eles a violência na fronteira com o Paquistão.

"É bom lembrar que este não é um conflito interno, de afegãos contra afegãos, é um conflito com forte influência de forças externas", diz.

Apesar das dificuldades, Nemat diz acreditar que as forças afegãs poderão cumprir a tarefa.

Mulheres
É nessas negociações que reside uma de suas maiores preocupações: que os direitos conquistados pelas mulheres nos últimos anos não sejam garantidos nas conversas de paz em andamento, e que elas "voltem a ser vítimas de algum acordo de curto prazo".

Nemat conhece de perto as dificuldades enfrentadas pelas mulheres na sociedade afegã. Aos dez anos de idade, ela teve de atravessar a fronteira com o Paquistão com a família para fugir das forças soviéticas.

Quando voltou à capital afegã, Cabul, em 1998, dez anos depois de ter partido, diz ter encontrado mulheres "desesperadas por educação", o que a levou a iniciar sua rede clandestina de alfabetização.

Hoje, os 2,7 milhões de meninas matriculadas em escolas afegãs são um atestado dos avanços obtidos nos direitos das mulheres desde a intervenção americana, mas mesmo antes da retirada completa Nemat afirma já perceber alguns retrocessos.

Em um relatório publicado nesta semana pela organização não-governamental Oxfam, do qual é co-autora, ela afirma que o número de mulheres no serviço civil caiu de 31% em 2006 para 18,5% no ano passado.

Ela diz ainda que o número de mulheres com cargo de ministra no governo caiu de três, em 2004, para apenas uma, e que a lei de eliminação da violência contra a mulher é aplicada em apenas dez das 34 províncias do país.

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