O Theatro Municipal de São Paulo, ícone arquitetônico do centro da cidade, completa cem anos nesta segunda-feira (12). Para celebrar, o espaço recebe um espetáculo que mistura tradição e contemporaneidade, ao unir uma ópera clássica, o “Rigoletto”, à direção de Felipe Hirsch, encenador que tem se destacado no cenário nacional com a Sutil Companhia de Teatro.
“Rigoletto” é uma ópera em três atos do compositor italiano Giuseppe Verdi, que estreou em Veneza em 1851. O drama narra a história do personagem homônimo, um bufão a serviço do duque de Mântua. Depois de ridicularizar um pai que acusa o duque de ter desonrado sua filha, Rigoletto é amaldiçoado e acaba matando a própria filha, Gilda, por quem o duque havia se apaixonado. Faz parte da obra a célebre canção “La Donna È Mobile”, imortalizada na voz de tenores como Enrico Caruso, Luciano Pavarotti e Plácido Domingo.
A montagem de Felipe Hirsch para “o clássico dos clássicos”, como ele define a ópera, tem regência do maestro Abel Rocha, diretor artístico do teatro, que comanda a Orquestra Sinfônica Municipal e o Coral Lírico, e cenário de Felipe Tassara e Daniela Thomas, parceira constante de Hirsch nos espetáculos da Sutil.
Hirsch, que tem forte ligação com a música e já dirigiu a ópera “O Castelo do Barba Azul”, de Béla Bartók, em 2006, conta que recebeu o convite para montar “Rigoletto” do secretário municipal de cultura, Carlos Augusto Calil, que queria um clássico na programação da temporada de reabertura do teatro, e propôs a tarefa a Hirsch e Thomas.
“Eu tinha ordens médicas de descanso, mas, quando recebi esse convite, pensei ‘não, eu vou encarar mais um pouco e depois eu tiro minhas férias’. Eu mudei tudo porque eu achei maravilhoso estar aqui, comemorando os cem anos desse teatro, que é maravilhoso e tem uma energia ótima”, afirma o diretor.
Sobre a escolha da obra, ele conta que a experiência de Thomas na Metropolitan Opera de Nova York influenciou a decisão. “A Daniela passou muito tempo no Met, já depois do trabalho dela ter visibilidade, chegou a medir palco com o Pavarotti. Ela gosta muito, se emociona muito com música tonal, melodias. E o Verdi é um prato cheio para isso. A gente falou muito do Verdi e chegamos em dois títulos, “I Masnadieri” e “Rigoletto”. Então, pensamos ‘Ah, vamos encarar o que seria o clássico dos clássicos”.
Confira a seguir a entrevista concedida por Hirsch ao UOL, durante os ensaios finais de “Rigoletto”.
UOL - Dirigir uma ópera é diferente de dirigir outros espetáculos?
Felipe Hirsch - Eu tento que não seja. Eu sempre falo para o grupo com quem eu vou fazer uma ópera que eles têm uma boa e uma má notícia. Primeiro, que eu tenho pouca experiência com ópera. Essa é a má. E a boa é a mesma coisa. Por isso, eu me dou o luxo de ter algumas irresponsabilidades. Gosto de dirigir ópera como dirijo teatro: trazendo um universo psicológico para os personagens, trazendo uma busca mais profunda de entendimento da dramaturgia, explorando a dramaturgia para conceitualizar, chegar a uma forma, a uma linguagem, de uma maneira profunda, não puramente formal e estética. Claro que a minha relação com a música ajuda. Eu me sinto muito à vontade, embora ainda seja um mundo que eu estou descobrindo. Mas eu sou um artista, a Daniela [Thomas] é uma artista, e a gente se manifesta no teatro, no cinema, em show de rock, show punk. O que a gente puder fazer, a gente faz. E se você nublar essas fronteiras, sempre vai ser mais interessante. É muito bom quando o cinema ajuda o teatro, quando o teatro ajuda a ópera. É sempre saudável.
UOL - Você sentiu alguma diferença entre “O Castelo do Barba Azul” e essa montagem do “Rigoletto”?
Hirsch - Muita. “O Castelo do Barba Azul” eu dirigi como se fosse uma peça de teatro, com dois bons atores-cantores. Aqui, eu tenho que lidar com uma equipe de 70 pessoas. E eu sou muito rígido comigo mesmo e quero que todos -- não importa se é o último da fila do coro -- saibam o que estão fazendo no palco. Isso é cansativo. É complexo trazer toda essa densidade psicológica.
UOL - Pessoalmente, você é apreciador de ópera?
Hirsch - Eu adoro. Eu amo ópera. Eu gosto de clássicos. Clássicos são um parque de diversões maravilhoso, porque são raízes que deram frutos. Se você se aprofundar num clássico, você vai entender mil outras coisas. Você trabalha com profundidade, essas raízes, e você trabalha no tempo, na história. Por que esse clássico venceu 200, 300 anos -- no caso do “Rigoletto”, 160 anos? Por que ele nos trouxe de novo, artistas condenados a repeti-lo? Porque fala de algo que nos diz respeito hoje e que, de alguma maneira, se reflete em mil outros assuntos.
UOL - E como foi o processo de trazer a sua visão para esse clássico?
Hirsch - Eu estudei muito, quis me aprofundar. Quis jogar fora as coisas depois de saber e não simplesmente deslocar. É importante você entender a dramaturgia, o porquê, desenvolver o conceito. Foi um processo longo, delicado, para chegar até aqui. Eu sinto que a montagem é bastante delicada, é uma montagem que não está aqui para escolher um truque. É muito profunda e muito delicada na maneira em que a gente aborda a dramaturgia e a emoção que ela deve ter. Porque é uma ilusão achar que não se pode mexer na música. Você mexe na cadência, no ritmo, na maneira em que vai ser interpretada. E é isso que conta na escolha de como montar, de como fazer o “Rigoletto”.
UOL - O “Rigoletto” é uma ópera que você já gostava?
Hirsch - Sim, eu gosto muito porque é muito próximo. Fala de nós artistas, nós cínicos, que servimos aos duques de Mântua, que atacamos a burguesia. Mas que temos nossos mundos, nossas Gildas protegidas, nossos pais, filhos, netos, que a gente não quer que o mundo da nossa exposição os atinja. Mas que acabam sendo os primeiros a serem atingidos ao primeiro clarão da luz que você deixa entrar.
UOL - O fato de ter sido concebida para o Theatro Municipal tem alguma influência na montagem?
Hirsch - Tem muito, porque esse teatro está fazendo cem anos e a gente está falando de teatro. O Rigoletto é um artista, um bufão, como nós aqui, expostos. Então, a gente revela o teatro. A montagem é bastante teatral. Mostra o backstage, mostra os técnicos, não tem nenhum truque velado. É uma história de artistas, contada por artistas.
UOL - Apesar de não ser paulistano, você chegou a viver bastante o Theatro Municipal como espectador? Lembra de algum momento marcante?
Hirsch - Muito, muito. Eu sou carioca, mas estou há 11 anos em São Paulo e sempre frequentei muito a cidade. Eu vi coisas incríveis no Municipal. Desde as coisas mais imprevisíveis -- como a Yoko Ono, com um público todo empetecado para ver a mulher do ex-Beatle e ela gritando, fazendo performances, se arrastando por esse palco -- até montagens de óperas bonitas. Eu lembro que vi há muitos anos uma “Flauta Mágica” muito bonita. Coisas que você sempre vê num bom teatro. Tomara que o teatro tenha uma programação cada vez mais constante. Mas eu estou acreditando muito. Acho que o trabalho tanto do secretário [municipal de cultura] quanto da Bia [Beatriz Franco do Amaral, diretora administrativa do teatro] realmente é digno de muita crença.
UOL - Você pretende levar o “Rigoletto” para algum outro teatro?
Hirsch - Eu adoraria mostrar no Theatro Municipal do Rio e até em outros teatros, em outros países, se possível. Vamos ver como andam as coisas. Não gosto de ter essas expectativas. Mas acho que merece. É uma montagem da qual todo mundo vai sair muito tocado pela música, pela delicadeza que a gente tentou dar, sem nenhuma arrogância, nenhuma prepotência em relação ao clássico.
UOL - Você já está trabalhando em algum novo projeto?
Hirsch - A Sutil [Companhia de Teatro] sempre toca muitos projetos. Eu devo fazer uma Marguerite Duras, “A Doença da Morte”, no começo do ano, que é um texto que eu tenho fixação há muito tempo. A Fernanda Montenegro falava muito dele para mim. É algo que eu devo fazer no começo do ano, mas não sei ainda nem o elenco, ainda estou pensando. Agora, a primeira coisa são as férias mesmo.
“Rigoletto” é uma ópera em três atos do compositor italiano Giuseppe Verdi, que estreou em Veneza em 1851. O drama narra a história do personagem homônimo, um bufão a serviço do duque de Mântua. Depois de ridicularizar um pai que acusa o duque de ter desonrado sua filha, Rigoletto é amaldiçoado e acaba matando a própria filha, Gilda, por quem o duque havia se apaixonado. Faz parte da obra a célebre canção “La Donna È Mobile”, imortalizada na voz de tenores como Enrico Caruso, Luciano Pavarotti e Plácido Domingo.
A montagem de Felipe Hirsch para “o clássico dos clássicos”, como ele define a ópera, tem regência do maestro Abel Rocha, diretor artístico do teatro, que comanda a Orquestra Sinfônica Municipal e o Coral Lírico, e cenário de Felipe Tassara e Daniela Thomas, parceira constante de Hirsch nos espetáculos da Sutil.
Hirsch, que tem forte ligação com a música e já dirigiu a ópera “O Castelo do Barba Azul”, de Béla Bartók, em 2006, conta que recebeu o convite para montar “Rigoletto” do secretário municipal de cultura, Carlos Augusto Calil, que queria um clássico na programação da temporada de reabertura do teatro, e propôs a tarefa a Hirsch e Thomas.
“Eu tinha ordens médicas de descanso, mas, quando recebi esse convite, pensei ‘não, eu vou encarar mais um pouco e depois eu tiro minhas férias’. Eu mudei tudo porque eu achei maravilhoso estar aqui, comemorando os cem anos desse teatro, que é maravilhoso e tem uma energia ótima”, afirma o diretor.
Sobre a escolha da obra, ele conta que a experiência de Thomas na Metropolitan Opera de Nova York influenciou a decisão. “A Daniela passou muito tempo no Met, já depois do trabalho dela ter visibilidade, chegou a medir palco com o Pavarotti. Ela gosta muito, se emociona muito com música tonal, melodias. E o Verdi é um prato cheio para isso. A gente falou muito do Verdi e chegamos em dois títulos, “I Masnadieri” e “Rigoletto”. Então, pensamos ‘Ah, vamos encarar o que seria o clássico dos clássicos”.
Confira a seguir a entrevista concedida por Hirsch ao UOL, durante os ensaios finais de “Rigoletto”.
UOL - Dirigir uma ópera é diferente de dirigir outros espetáculos?
Felipe Hirsch - Eu tento que não seja. Eu sempre falo para o grupo com quem eu vou fazer uma ópera que eles têm uma boa e uma má notícia. Primeiro, que eu tenho pouca experiência com ópera. Essa é a má. E a boa é a mesma coisa. Por isso, eu me dou o luxo de ter algumas irresponsabilidades. Gosto de dirigir ópera como dirijo teatro: trazendo um universo psicológico para os personagens, trazendo uma busca mais profunda de entendimento da dramaturgia, explorando a dramaturgia para conceitualizar, chegar a uma forma, a uma linguagem, de uma maneira profunda, não puramente formal e estética. Claro que a minha relação com a música ajuda. Eu me sinto muito à vontade, embora ainda seja um mundo que eu estou descobrindo. Mas eu sou um artista, a Daniela [Thomas] é uma artista, e a gente se manifesta no teatro, no cinema, em show de rock, show punk. O que a gente puder fazer, a gente faz. E se você nublar essas fronteiras, sempre vai ser mais interessante. É muito bom quando o cinema ajuda o teatro, quando o teatro ajuda a ópera. É sempre saudável.
UOL - Você sentiu alguma diferença entre “O Castelo do Barba Azul” e essa montagem do “Rigoletto”?
Hirsch - Muita. “O Castelo do Barba Azul” eu dirigi como se fosse uma peça de teatro, com dois bons atores-cantores. Aqui, eu tenho que lidar com uma equipe de 70 pessoas. E eu sou muito rígido comigo mesmo e quero que todos -- não importa se é o último da fila do coro -- saibam o que estão fazendo no palco. Isso é cansativo. É complexo trazer toda essa densidade psicológica.
UOL - Pessoalmente, você é apreciador de ópera?
Hirsch - Eu adoro. Eu amo ópera. Eu gosto de clássicos. Clássicos são um parque de diversões maravilhoso, porque são raízes que deram frutos. Se você se aprofundar num clássico, você vai entender mil outras coisas. Você trabalha com profundidade, essas raízes, e você trabalha no tempo, na história. Por que esse clássico venceu 200, 300 anos -- no caso do “Rigoletto”, 160 anos? Por que ele nos trouxe de novo, artistas condenados a repeti-lo? Porque fala de algo que nos diz respeito hoje e que, de alguma maneira, se reflete em mil outros assuntos.
UOL - E como foi o processo de trazer a sua visão para esse clássico?
Hirsch - Eu estudei muito, quis me aprofundar. Quis jogar fora as coisas depois de saber e não simplesmente deslocar. É importante você entender a dramaturgia, o porquê, desenvolver o conceito. Foi um processo longo, delicado, para chegar até aqui. Eu sinto que a montagem é bastante delicada, é uma montagem que não está aqui para escolher um truque. É muito profunda e muito delicada na maneira em que a gente aborda a dramaturgia e a emoção que ela deve ter. Porque é uma ilusão achar que não se pode mexer na música. Você mexe na cadência, no ritmo, na maneira em que vai ser interpretada. E é isso que conta na escolha de como montar, de como fazer o “Rigoletto”.
UOL - O “Rigoletto” é uma ópera que você já gostava?
Hirsch - Sim, eu gosto muito porque é muito próximo. Fala de nós artistas, nós cínicos, que servimos aos duques de Mântua, que atacamos a burguesia. Mas que temos nossos mundos, nossas Gildas protegidas, nossos pais, filhos, netos, que a gente não quer que o mundo da nossa exposição os atinja. Mas que acabam sendo os primeiros a serem atingidos ao primeiro clarão da luz que você deixa entrar.
UOL - O fato de ter sido concebida para o Theatro Municipal tem alguma influência na montagem?
Hirsch - Tem muito, porque esse teatro está fazendo cem anos e a gente está falando de teatro. O Rigoletto é um artista, um bufão, como nós aqui, expostos. Então, a gente revela o teatro. A montagem é bastante teatral. Mostra o backstage, mostra os técnicos, não tem nenhum truque velado. É uma história de artistas, contada por artistas.
UOL - Apesar de não ser paulistano, você chegou a viver bastante o Theatro Municipal como espectador? Lembra de algum momento marcante?
Hirsch - Muito, muito. Eu sou carioca, mas estou há 11 anos em São Paulo e sempre frequentei muito a cidade. Eu vi coisas incríveis no Municipal. Desde as coisas mais imprevisíveis -- como a Yoko Ono, com um público todo empetecado para ver a mulher do ex-Beatle e ela gritando, fazendo performances, se arrastando por esse palco -- até montagens de óperas bonitas. Eu lembro que vi há muitos anos uma “Flauta Mágica” muito bonita. Coisas que você sempre vê num bom teatro. Tomara que o teatro tenha uma programação cada vez mais constante. Mas eu estou acreditando muito. Acho que o trabalho tanto do secretário [municipal de cultura] quanto da Bia [Beatriz Franco do Amaral, diretora administrativa do teatro] realmente é digno de muita crença.
UOL - Você pretende levar o “Rigoletto” para algum outro teatro?
Hirsch - Eu adoraria mostrar no Theatro Municipal do Rio e até em outros teatros, em outros países, se possível. Vamos ver como andam as coisas. Não gosto de ter essas expectativas. Mas acho que merece. É uma montagem da qual todo mundo vai sair muito tocado pela música, pela delicadeza que a gente tentou dar, sem nenhuma arrogância, nenhuma prepotência em relação ao clássico.
UOL - Você já está trabalhando em algum novo projeto?
Hirsch - A Sutil [Companhia de Teatro] sempre toca muitos projetos. Eu devo fazer uma Marguerite Duras, “A Doença da Morte”, no começo do ano, que é um texto que eu tenho fixação há muito tempo. A Fernanda Montenegro falava muito dele para mim. É algo que eu devo fazer no começo do ano, mas não sei ainda nem o elenco, ainda estou pensando. Agora, a primeira coisa são as férias mesmo.
Veja a programação do Theatro Municipal de São Paulo
RIGOLETTO
Onde: Theatro Municipal de São Paulo (Praça Ramos de Azevedo, s/nº, Centro, tel. 0/xx/11/3397-0327)
Quando: 14 a 18/9 (quarta a sexta, às 21h; sábado, às 20h; domingo, às 17h)
Quanto: R$ 15 a R$ 70
Site oficial: www.teatromunicipal.sp.gov.br
Onde: Theatro Municipal de São Paulo (Praça Ramos de Azevedo, s/nº, Centro, tel. 0/xx/11/3397-0327)
Quando: 14 a 18/9 (quarta a sexta, às 21h; sábado, às 20h; domingo, às 17h)
Quanto: R$ 15 a R$ 70
Site oficial: www.teatromunicipal.sp.gov.br
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