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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Nova doutrina militar evita ações isoladas


Ao anunciar o envolvimento americano na Líbia, em março, o presidente Barack Obama fez questão de listar uma série de condições para a entrada dos EUA em conflitos: o país só agiria se não estivesse sozinho, mas sim dentro da coalizão da Otan, e não haveria soldados americanos no fronte; somente interviria quando houvesse uma ameaça óbvia de genocídio, como em Benghazi; e apenas depois do sinal verde do Conselho de Segurança da ONU.
Esse rascunho de doutrina Obama foi alvo de escárnio ao ser caracterizado como "leading from behind", ou, em tradução livre, "liderar sem estar na linha de frente, dos bastidores", em uma reportagem da revista New Yorker.
Mas era exatamente isso que buscava o governo Obama - seguir uma doutrina anti-Bush.]
Durante anos, os Estados Unidos foram condenados por quase todos os países do mundo pelas políticas da chamada doutrina Bush, que o país adotou em resposta aos ataques de 11 de setembro de 2001. Washington perdeu muito de seu soft power - a capacidade de influenciar sem recorrer a força - ao advogar medidas que puseram o país na posição do "valentão intimidador" do mundo.
Conforme lista o professor Melvyn Leffler, em seu artigo " A guerra ao terror em retrospecto -A grande estratégia de George W. Bush reconsiderada", que é o principal da edição deste mês da revista Foreign Affairs, a doutrina Bush se caracterizava por quatro princípios básicos: guerra preventiva, unilateralismo, supremacia militar, exportação de democracia. Esses princípios foram delineados na Estratégia de Segurança Nacional de 2002, com forte influência dos neoconservadores.
Após os ataques de 11 de setembro, Bush afirmou que os EUA se reservavam o direito de travar guerra preventiva - agiriam não só parar evitar ataques iminentes, mas também potenciais, o que levou à guerra no Afeganistão e no Iraque. E se davam o direito de retaliar não apenas países que atacassem os EUA, mas também os que abrigassem terroristas. "Ou vocês estão com a gente, ou estão contra a gente na guerra ao terror", disse Bush em novembro de 2001. "Esse princípio de guerra preventiva teve consequências muito negativas, porque determinava que os EUA tinham uma prerrogativa única, que as outras nações não tinham, de julgar quando havia uma suposta ameaça e legitimar um ataque. Era um julgamento muito subjetivo", disse à Folha Leffler, professor de História na Universidade da Virgínia.
A doutrina Bush também determinava que garantir a democracia em outros países era obrigação dos EUA. "A sobrevivência da liberdade em nossa terra depende do sucesso da liberdade em outros países", discursou Bush em 2005. Isso levou os EUA a se imiscuírem, cada vez mais, em assuntos internos de países no Oriente Médio, com o suposto objetivo de espalhar a democracia. E o país aprofundou sua tendência de desdenhar o multilateralismo e , em especial, entidades como a ONU.
Os gastos militares dos EUA explodiram. Estima-se que as duas guerras tenham custado, até agora, US$ 1,3 trilhão. Durante o governo Bush, o orçamento de Defesa saltou de US$ 304 bilhões em 2001 para US$ 616 bilhões em 2008.
E qual foi o resultado disso?
"Em vez de preservar equilíbrios regionais, as ações dos Estados Unidos perturbaram o equilíbrio de forças no Golfo Pérsico e Oriente Médio. A credibilidade dos EUA na região foi fortemente abalada, o Iraque deixou de agir como contraponto ao Irã, aumentou a capacidade do Irã de interferir em outros países e a habilidade dos EUA de agirem como mediadores do conflito Palestino-Israelense diminuiu", disse Leffler.
Depois dos ataques do 11 de setembro, houve também enormes mudanças no perfil das Forças Armadas americanas e das operações militares em que se envolvem os EUA.
Até então, os soldados eram treinados para guerras convencionais, usando tanques, e mirando forças de outros países. As Forças Armadas passaram a travar guerras de guerrilha, contra insurgentes que se escondem em meio à população civil, onde tanques e caças são inúteis.
No Iraque e no Afeganistão, o governo americano se deu conta (com algum atraso) de que a guerra convencional não surtia efeitos contra a insurgência. Com isso, adotou-se a estratégia de contraguerrilha - cuja Bíblia foi o manual de contra-insurgência o general David Petraeus , hoje diretor da CIA. O objetivo era proteger a população e ganhar a confiança dos locais, em vez de caçar insurgentes. "Clear, hold and build" - limpar a área de insurgentes, manter a região sob controle e construir escolas, estradas, em última instância instituições.
A estratégia deu certo no Iraque, embora o país ainda esteja longe de ser estável, e deu resultados dúbios no Afeganistão. "Mas, ironicamente, essa abordagem focada nas populações, sem grandes armamentos, é caríssima, consome muitos recursos para reconstruir a nação e leva muito tempo", disse à Folha Deane-Peter Baker, professor de Filosofia na U.S. Naval Academy. "Agora, existe uma volta à estratégia focada no inimigo, mas com nuances."
Primeiro, usar cada vez menos tropas, recorrer de forma crescente a operações que aliem drones, as aeronaves não-tripuladas, a CIA e times das Special Ops, como o que matou Osama bin Laden, em maio.
"Acho que os EUA nunca mais vão se envolver em guerras como as do Iraque e Afeganistão; as operações agora são muito mais precisas e limitadas, e a Líbia é um modelo - sem envolvimento de tropas no fronte, sem mortes, usando ataques com drones e deixando os locais assumirem o comando", diz Baker.
Segundo P. W. Singer, pesquisador da Brookings Institution e especialista em drones, hoje em dia os EUA têm 19 mil aeronaves não-tripuladas, 7 mil no ar e 12 mil no chão. "Em 11 de setembro 2001, eram pouquíssimos drones, de aplicação bastante limitada; hoje, existe legislação determinando que até 2015, um terço das forças aéreas americanas sejam não-tripuladas", disse Singer à Folha. "O Paquistão foi alvo de 250 ataques com drones; os EUA usam ataques remotos no Iêmen, Líbia e Somália, e isso só vai aumentar."
Mas apesar das enormes mudanças no American way de fazer guerra, muito do aparato construído no pós-11 de setembro continua de pé.
"Nós criamos uma infraestrutura caríssima ao redor do conceito de Guerra ao Terror - agora, nós ficamos com esse aparato todo, embora tenhamos cada vez menos desse inimigo", disse à Folha Gordon Adams, professor de política externa da American University que foi responsável pelo orçamento de segurança nacional no governo Clinton.
O alto endividamento dos EUA e a pressão para reduzir o déficit deixam o orçamento de Defesa sob pressão. Mas os cortes propostos até agora, segundo Adams, são mínimos.
O orçamento do Departamento de Defesa para os próximos 10 anos, a partir de 2012, está em US$ 6,7 trilhões. Os cortes propostos até agora reduzem em não mais de 20%, diz Adams. "Temos montes de burocratas, oficiais, empresas e instituições que vivem desse conceito de Guerra ao Terror e Estado de segurança, então ainda vai levar uns 10 a 20 anos para isso voltar ao normal."

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